Leituras do Ano: “Contos” finalizado

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Eu devia ter uns 13 ou 14 anos quando Machado de Assis foi-me empurrado goela abaixo pela querida mestra Patrícia, professora de Literatura do Colégio Santo Antonio de Lisboa, em São Paulo (SP), onde estudei por quase toda a vida. A obra era Dom Casmurro.

De início, recusei explicitamente. Disse à mestra, inclusive, que não a leria em hipótese alguma. No máximo, tentaria o resumo – já que o livro seria abordado em prova.

Minha professora levou na esportiva, mas insistiu para que eu ao menos tentasse.

Juro que tentei, mas não rolou. Não tinha maturidade para encarar aquele vocabulário arcaico do século XIX. Isso sem falar do enredo, que, para mim, àquela época, arrastava-se pesadamente.

Voltei ao resumo, fiz a prova e até que fui bem. Mas, admito, passei quase todo o ensino médio sem coragem de encarar um clássico da literatura brasileira.

Mais de 20 anos depois – e com um bom número de clássicos já lidos -, eis que acabo de concluir meu 15o livro de 2016. O autor? Machado de Assis.

Li “Contos” (Ciranda Cultural; 2010), uma coletânea de textos do meu gênero preferido escritos pela mão daquele que é considerado o mais importante autor brasileiro de todos os tempos.

Comprei o livro havia uns cinco ou seis meses. Mas só resolvi pegá-lo depois de uma aula de escrita criativa com o mestre Paulo Tedesco, meu consultor editorial particular, no qual ele me trouxe o conto “Uns Braços”, de Machado.

Descobri que esta história compunha a coletânea que eu havia comprado. E, por ter me impressionado com a desenvoltura de Machado neste gênero comercialmente renegado pelo mercado editorial, resolvi que “Contos” seria o próximo livro da minha lista de leitura.

Fiz toda essa introdução porque não ousarei, aqui, resenhar ou criticar a obra de Machado de Assis; seria herético se o fizesse.

Não que “Contos” seja um livro perfeito – embora se aproxime disso com maestria – ou que todas as dez histórias tenham me arrebatado. Mas é que não há como discordar da relevância de Machado de Assis na história da formação da Literatura e da Cultura do Brasil.

Ainda que os contos machadianos sejam menos concisos do que pede o gênero, tudo, em todos eles, está perfeitamente encadeado. Não há uma palavra sequer que falte ou sobre nas narrativas. E o autor, com a genialidade que lhe marca a trajetória, conduz o leitor para onde ele quer, da forma como ele quer.

A coletânea que li, ao final, traz uma síntese intitulada “Texto e contexto”, que analisa a obra de Machado. E o último parágrafo desta análise retrata fielmente a produção literária do primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras: “Como em toda sua obra, são muitas as perspectivas de leitura sobre os contos de Machado. Alguns veem neles um retrato histórico do Brasil; outros, uma breve explanação sobre as questões do espírito humano, além dos temas amorosos, sempre tratados com a mão sutil do escritor.”

Para mim, Machado de Assis contextualiza o Brasil do século XIX exatamente a partir das minúcias do espírito humano e de questões morais. Esta é a marca de sua obra, seja no gênero Romance ou no Conto – e não falarei, aqui, sobre sua produção poética porque a desconheço.

Na coletânea “Contos”, tal marca está explícita nas dez histórias. Destaco a ótima “A Igreja do Diabo”, a própria “Uns Braços”, a excelente “Suje-se Gordo” e a brilhante “Ideias do Canário”.

Mas a fina ironia, o desafio ao moralismo do século XIX e a surpresa derradeira do genial conto “A Carteira” fazem deste, na minha opinião, não somente o melhor do livro, mas um dos melhores e mais inteligentes contos que já li até hoje. Se você não o conhece, busque conhecê-lo. Simplesmente excepcional!

Se no início dos anos 90 eu não tinha maturidade para compreender Machado de Assis – e, de verdade, acho que quase adolescente algum a tem, e é aí que constato um equívoco no ensino da Literatura no Brasil, por impor esse tipo de leitura a jovens que não estão prontos para compreender os clássicos -, hoje, aos 37, sou grato à amada mestra Patrícia, por ter levado minha imaturidade numa boa. E, claro, como leitor, sou um privilegiado, por ter acesso a um dos maiores nomes da literatura mundial em todos os tempos.

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