Confira a crônica de fevereiro de Ricardo Mituti no Blog Tesão Literário, de PE

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Já está no ar minha crônica de fevereiro no blog Tesão Literário, no portal pernambucano Ver Agora.

Na Lego Ergo Sum deste mês, falo sobre a percepção da derrota num link entre o vice-campeonato do meu Santos Futebol Clube na Copa Libertadores da América, a Seleção Brasileira de 1982 e a linda novela “O Velho e O Mar”, de Ernest Hemingway.

Confira!

(Ah, e aproveite para ler as crônicas anteriores; basta clicar no mês: setembrooutubronovembro, dezembro e janeiro).

 

Hemingway, Falcão e a final da Libertadores
Por Ricardo Mituti

Nos estertores de janeiro, meu time perdeu a final da Copa Libertadores da América. Se você é do futebol, pode pular a próxima linha desta crônica; se não é, saiba que a Libertadores é o mais importante e tradicional torneio da modalidade em nosso continente.

Noutros tempos, eu teria passado o resto do dia meditabundo, tentando digerir a crueldade de uma derrota no último lance dos acréscimos e para um rival do estado. Talvez, até, nem dormiria à noite. Mas os livros – sempre eles – sequer deixaram-me lamentar o vice-campeonato.

Enquanto meu velho, ao meu lado, mirava calado a celebração adversária na tevê, olhos brilhando, num misto de incredulidade e tristeza, eu recordava outro velho, o Santiago, pescador de Ernest Hemingway e protagonista do lindíssimo “O Velho e o Mar“.

Ainda que fosse o mais experiente pescador de sua aldeia, Santiago ficou quase três meses sem pegar um mísero filhote nos mares caribenhos. Certo dia, no entanto, sua sorte finalmente virou, e o homem pegou um bicho de cinco metros de comprimento e 700 quilos.

Vou me abster de esmiuçar o enredo para evitar o ódio de quem não leu a obra. Mas, para dar sentido ao que pretendo explorar aqui, serei obrigado a revelar que Santiago voltou para terra firme somente com a espinha e a espada do peixão.

No final de 2020, participei de um Laboratório de Leitura de “O Velho e o Mar”. E, no último encontro, quando fazia minha História de Convivência – momento em que compartilhamos o que ficou da experiência e o que levamos da subjetividade dos demais participantes -, percebi que Santiago não havia saído derrotado da empreitada; pelo contrário. Curioso é que cheguei a essa conclusão por meio do futebol – e de um outro livro.

Desde 2011 tenho a honra de estar assessor de imprensa de Paulo Roberto Falcão, um dos melhores jogadores do futebol mundial de todos os tempos, ex-atleta e ex-treinador da Seleção Brasileira.

Falcão é autor de um livro intitulado “Brasil 82: O Time que Perdeu a Copa e Conquistou o Mundo”. A obra reúne depoimentos dos jogadores que disputaram a Copa da Espanha, em 1982, e protagonizaram a famosa Tragédia do Sarriá – a doída derrota por 3 a 2 para a Itália, que culminou na eliminação do escrete canarinho. Meu cliente, registre-se, marcou um dos gols do Brasil naquele fatídico jogo.

Mesmo que você não seja do futebol – e a menos que não tenha passado os últimos 40 anos em outro planeta -, é bem provável que em algum momento da sua existência tenha pelo menos ouvido falar da famosa Seleção Brasileira de 82. Há quem diga que a equipe foi a melhor que o Brasil já teve (tecnicamente superior, inclusive, até mesmo ao time de Pelé tricampeão em 1970).

Ocorre que esse reconhecimento é creditado a um grupo que não venceu. E eu, enquanto assessor de Falcão – e testemunha nada ocular da história -, posso garantir que mesmo após quatro décadas do Sarriá, é praticamente impossível meu cliente escapar de perguntas sobre 1982, seja em entrevistas, seja em encontros fortuitos com admiradores(as) que lhe pedem fotos ou autógrafos.

Ora, se Falcão e companhia são lembrados até hoje pela beleza do futebol apresentado em terras espanholas – e não por terem conquistado a Copa do Mundo -, por que raios o velho Santiago deveria ser considerado um derrotado por não ter conseguido chegar com o peixão de 700 quilos à praia? Não! Recuso-me a achar Santiago um loser – expressão bastante comum entre os compatriotas de Hemingway ao se referirem a pessoas que julgam fracassadas.

Assim como a Seleção Brasileira de 82, o velho cubano não teve um troféu para erguer ao final da pescaria. Mas, penso, é injusto desprezar o fato de ele ter fisgado aquele monstro, a despeito da maré de azar que o rondava havia muito tempo e depois de dias de uma valente e desgastante briga com a criatura marinha. Ele conseguiu, afinal!

Diz o próprio Santiago que o homem não foi feito para a derrota (…) Um homem pode ser destruído, mas nunca derrotado. Concordo. Ainda que vitória e derrota sejam fatos objetivos, o valor dado a elas é – ou deveria ser – subjetivo. Pelo menos foi isso que aprendi com os livros – e com o futebol.

Tivesse ganho a Copa da Espanha, a Seleção Brasileira de Falcão talvez não ostentasse toda essa devoção quase mística que a derrota de alguma forma lhe garantiu.

Santiago, tivesse conseguido chegar em casa com o peixe inteiro, talvez não fosse o herói tão humanamente imperfeito e falível – por isso inesquecível e próximo de nós – idealizado por Hemingway.

Já eu, não tivesse participado do Laboratório de Leitura de “O Velho e o Mar” e trabalhasse para Paulo Roberto Falcão, talvez até agora estivesse com a derrota do meu Santos na final da Libertadores entalada na garganta. Feito a espinha de um peixe de cinco metros de comprimento e 700 quilos.

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