Já está no ar minha crônica de agosto de 23 no blog Tesão Literário, no portal pernambucano Ver Agora.
Na Lego Ergo Sum deste mês, falo sobre mudanças e recordações a partir do livro “A Cidade das Palavras”, de Alberto Manguel.
Confira!
(Ah, e aproveite para ler as colunas anteriores):
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Mudança
Por Ricardo Mituti
Não faz muito eu e minha família nos mudamos. Trocamos um apartamento por outro. Um pequeno, de meia-idade, por um grande, antigo.
O negócio foi daqueles de oportunidade: ou fechávamos, ou talvez permanecêssemos instalados em 54 metros quadrados por pelo menos mais uma década.
Fechamos. E não foi uma transação daquelas tradicionais; foi um acordo familiar. Aliás, não foi apenas um acordo familiar; foi uma operação muito mais emotiva do que financeira. Nessas grandes voltas da vida, retornamos ao lugar onde tudo começou, nos primórdios do milênio. Foi no apartamento grande que conheci minha esposa. Era lá que ela vivia.
Saímos dele para o cartório e do cartório para o apartamento pequeno, o primeiro das nossas vidas. E foi nele, no apartamento pequeno, que formamos nossa família. Iniciamos, encerramos e reiniciamos novas vidas. Sim, porque nossas vidas mudaram inúmeras vezes enquanto lá estivemos.
Fomos muito felizes – ainda que, reconheço, isso seja clichê e piegas. Tão felizes que nas primeiras semanas após a mudança nosso filho ainda nos perguntava quando voltaríamos para casa. E isso não significava que ele estivesse infeliz no apartamento que conheceu como sendo a casa da avó; ao contrário. A questão é que deixamos uma parte de nós dentro do apartamento pequeno; deixamos uma história impregnada nas paredes daquele espaço.
O escritor e ensaísta argentino Alberto Manguel, em “A Cidade das Palavras”, escreve que o lar é sempre um lugar imaginário. Tenho dúvidas. Fosse assim e eu não teria chorado ao trancar a porta daquele lar pela última vez. Idealizado talvez, mas deveras real, concreto.
E não foram só lágrimas que verti ao deixar para trás meu primeiro lar da vida adulta e conjugal. Senti um ciúme quase cego daquele vazio, daquele eco, por saber que, a partir de então, ele seria ocupado por desconhecidos. Pessoas que construiriam uma nova história naquele local onde por anos construímos a nossa.
O que me reconforta é saber que histórias, narrativas e recordações também podem ser transportadas. Não em caixas de papelão pardo, adesivadas e identificadas, empilhadas num caminhão de mudança. Histórias e recordações não são árvores, eternamente enraizadas num único terreno até que algo ou alguém ouse derrubá-las.
Manguel, para quem as histórias são nossa memória, também diz que histórias criam histórias. Com isso eu concordo. Elas até podem fazer mais sentido num local do que em outro. Mas não são palpáveis, físicas. E por isso mesmo podem ser levadas para onde for. Desde que estejam eternizadas em nossa lembrança – em nossa memória. Mais ainda, aliás, desde que estejam eternizadas em nosso coração. Porque ele, o coração, é como uma biblioteca: a verdadeira morada das nossas histórias, narrativas e recordações.